terça-feira, novembro 16

Efeito Lispector

Do hiato branco, da folha paltada, do prompter que pisca, eu surjo.
Como de um chão de podres, de um chão seco, sem água, sem vida, quase que por um milagre, eu surjo.
O milagre do pensamento, esse milagre que chamam de Deus, faz brotar, do inorgânico e do orgânico falido, o botão.
O botão surgiu de uma haste verde, dentre os verdes mais descarados e díspares.
Botão esse que se rompe, e deixa entrar dentro de si, o vácuo do qual é rodeado.
Ao mesmo tempo que entra o vácuo, sai a vida.
A vida de quem escreve.
A vida de escritor é estar a mercê de seu próprio cataclisma e resurreição.
É estar sempre inseguro sobre quantas marés e secas o seu caderno sofrerá.
A sua vida sofrerá.
Porque estar a mercê de si, na insegurança de si mesmo, é algo pavoroso e, de tão inconstante, nos faz beirar à loucura.
A lacuna que é preenchida pela vida é tão mal preenchida pela incerteza que, de certo, me faz parar e pensar: "Por que sou o que sou?".
Não sei - respondo a mim mesmo.
Não sei, eu repito.
Ressurgir e reinterar-se é algo tão doloroso, que, de tanta dor, é necessária tanta morfina, que acabo entrando em letargia, sem nem saber o quão doloroso é.
Mas sei que é.
Sei que dói.
Sei porque dessa dor e desse pavor já provei.
Das madrugadas sem sono, rodeado de minha própria sombra de filósofo, corre o fel. Corre o fel, que por instante e por uma careta, engulo sem questionar.
Engulo na esperança de poder passar esse mal que é ser o que sou.
Burro eu, não?
Engulo um antídoto produzido por mim mesmo, na esperança de curar a mim mesmo.
Redundante... Eu sei.
Mas é o risco que eu corro quando tudo se aquieta, e a minha alma parece imensa demais, larga demais, feia demais.
E nesse pavor de encarar a si mesmo, acabo recorrendo ao meu maior desabor: provar do meu próprio veneno.
E eis que sigo, cabisbaixo, imerso no estupor de mim, de lápis e folha branca como giz na mão, rabiscando os próprios pensamentos.
A minha própria filosofia.
A minha própria vida.