quinta-feira, outubro 29

Início

A Sra. Wintersonn era uma bibliotecária. Trabalhava na Biblioteca do centro de sua pequena cidade, e passava os dias arrumando os livros, desdobrando suas orelhas, tirando papéis de bala de seus interiores e fazendo registros de saída e chegada. Era uma senhora alta, magra, de uns cinqüenta e poucos anos de idade; anos refletidos nos fios brancos de seu coque impecavelmente preso por grampos negros, como o seu cabelo.

Vestia-se modesta e simplesmente. Mantinha os olhos atentos pelas mesinhas da Biblioteca, onde estudantes riam baixinho. Ela era a Senhora daquele reino de livros e textos, e todos aqueles garotos eram vassalos de suas terras. Mantinha a Lei
do Silêncio com o pulso de uma rainha, e a mantinha com toda a força de um rei. Mas, por baixo desse manto real cheio de pulso e força, estava escondido um bobo da corte ansioso e deprimido. Ansiava pela folia! Andava deprimida, apesar de não saber disso, por estar sempre fazendo as mesmas coisas.

Detinha-se a, no máximo, chamar a atenção incisivamente de algum garoto que ria alto, ou de uma garota que conversava além da conta. O resto das horas de trabalho se resumia a silêncio, livros e ruídos de páginas sendo viradas, ou de algum lápis tomando notas. O horário de maior movimento da Biblioteca era o início da tarde, quando as aulas da manhã, da escola local, terminavam. Os estudantes se reuniam aos poucos, levando e retirando livros, sempre fazendo um burburinho incessante que se extinguia ao pigarro da Sra. Wintersonn.

Aquele dia não fora diferente. Os ponteiros do relógio passeavam pela primeira hora da tarde, quando uma orda de estudantes do colegial entraram na Biblioteca. Alguns devolveram seus livros, outros se sentavam nas mesinhas de estudo, ao passo que outros guardavam suas bolsas e mochilas nos armários de madeira. A Sra. Wintersonn começou a realizar o controle de chegada, abrindo os livros, desfazendo as costumeiras orelhas, retirando papéizinhos e, às vezes, apagando anotações nos rodapés das páginas.

Foi quando, ao pegar um romance de Shakespeare, um envelope pardo caiu de suas páginas. Aquele tipo de acontecimento era frenquente, visto que a maioria dos estudantes esqueciam folhas, anotações e rascunhos nos livros. A Sra. Wintersonn tinha uma gaveta onde guardava todos esses achados para uma possível devolução. E com aquela carta não fora diferente; abriu a terceira gaveta de sua mesa e já estava pondo a recém-chegada lá, quando olhou a frente do envelope. Numa letra floreada, estava escrito:

"À Melody Wintersonn"

A bibliotecária olhou o verso, espantada, a procura de um remetente. O sangue esvaiu-se de sua face. Apesar de não ter nenhum remetente, havia um brasão desenhado em nanquim, que mostrava duas serpentes, uma alva e outra negra, enroscadas à uma vassoura de palha, em perfeita simetria. Melody Wintersonn olhou para os dois lados, certificando-se de que estava sozinha, e abriu sua bolsa, de onde tirou um pequeno punhal. Retirou a bainha dele, e o passou, afiado, no lacre do envelope.

Tirou de lá uma carta branca, que estava escrita na mesma caligrafia do destinatário.
Eis a carta: (...)

Continua no próximo post...